Estudioso Osvaldo Mboco lança "As eleições em Angola, de 1992 até aos nossos dias"

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Em Angola, está prestes a ser lançado em Março um livro relatando a história política recente do país através dos seus processos eleitorais. Intitulado "As eleições em Angola, de 1992 até aos nossos dias", este livro é o resultado de uma pesquisa efectuada entre 2017 e 2021 por Osvaldo Mboco, especialista em Relações Internacionais ligado à Universidade Técnica de Angola, que juntou dados documentais às notas que já tinha sobre as eleições em que participou como observador. RFI: O que o levou a escrever este livro? Osvaldo Mboco: A ideia consolidou-se porque nas eleições de 2017, participei num plantão de uma rádio em Luanda que analisou de forma milimétrica todos os dias o desenvolvimento e o tempo de antena dos partidos políticos no mês referente às campanhas eleitorais. Então, com essa experiência que tive, com alguma investigação que já havia feito sobre os processos eleitorais de 1992, nas eleições de 2008 em que participei enquanto agente da CNE, também com a experiência de 2012 e em 2017, em que participei não de uma forma efectiva mas de forma analítica, entendi que era necessário escrever e contribuir para o acervo bibliográfico de matérias ligadas às eleições em Angola. Daí que nós fizemos um panorama das eleições de 1992, por ser o princípio dos nossos processos eleitorais (multipartidários), evocamos também as eleições de 2008-2012 e temos igualmente como pano de fundo da nossa abordagem as eleições de 2017. Abrimos também uma perspectiva do que deveriam ser as eleições de 2022 e entendemos ser pertinente lançarmos este livro neste ano eleitoral. E é assim que vamos lançá-lo agora no princípio do mês de Março. RFI: Relativamente à escrita desse livro que está dividido em 3 partes, como acaba de referir, como foi a confrontação entre a sua experiência vivida, as impressões que teve na altura, e agora a distância do tempo e, no fundo, documental? Osvaldo Mboco: As duas notas iniciais que podemos avançar é que existe basicamente alguns elementos comuns nos processos eleitorais de Angola. E o elemento comum é que nós temos duas grandes forças políticas e normalmente são essas duas forças políticas que dinamizam o processo eleitoral: o MPLA que está no governo e a UNITA, na oposição, que tem a ambição de chegar ao cadeirão máximo. Há um outro aspecto que não chamaria 'comum' e que veio alterando algumas questões que são as circunstâncias e os momentos que estamos a vivenciar no próprio processo eleitoral. Hoje, nós temos um contexto político bem como um contexto económico e sobretudo social que não tende muito para o MPLA porque Angola vive uma crise económica acentuada desde 2014 até à presente data que faz com que o nível de vida das pessoas seja mais caro, o poder de compra também. Então, o contexto político (é diferente) em comparação ao contexto de 2017, muito embora naquele ano estivéssemos também a vivenciar uma crise económica. Agora a tendência agudizou-se. Daí que é necessário que o MPLA se reinvente, daí que é necessário que a comunicação que o MPLA fizer seja muito mais incisiva. Temos uma oposição da qual, do ponto de vista prático, o partido que mais se destaca é a UNITA. Este partido, enquanto força de oposição, deverá explorar ao máximo as falhas de governação do MPLA para poder capitalizar os resultados eleitorais que poderá ter agora nas eleições de 2022. RFI: Voltando às eleições passadas que são retratadas neste livro, todas elas acabaram por ser contestadas pela oposição, houve sempre um grande debate pós-eleitoral. Como é que retrata precisamente essas contestações, essas acusações de fraude que houve nessas eleições passadas em Angola? Osvaldo Mboco: A primeira nota é que à diferença das eleições de 1992 em que a contestação dos resultados nos empurrou para um conflito civil, as contestações dos resultados de 2008, 2012 e 2017 já não nos empurraram para um conflito civil porque já não havia condições objectivas e bélicas por parte de um partido que estava armado. Essas contestações por parte dos partidos políticos são movidas por várias razões. Em alguns casos também deve-se apontar aqui a própria Comissão Nacional Eleitoral. Houve deslocação de nomes de um indivíduo que se registou para exercer o seu direito de voto numa localidade mas teve o seu nome deslocado para uma outra província ou outro município. Isto também agudiza ainda mais o índice de absentismo que pode ser evidenciado dentro deste quadro. Por outro lado, há também falta de capacidade dos próprios partidos políticos de terem agentes dentro do quadro das assembleias para de facto supervisionarem todo e qualquer processo. Isso também constitui uma problemática. Se voltarmos para o passado, nas eleições de 2017, vamos ver que os partidos políticos levaram uma série de preocupações e contestações ao Tribunal Constitucional que, em alguns casos, não conseguiram sustentabilidade. Um dos elementos é a contagem paralela. Os partidos políticos disseram que houve contagem paralela mas os resultados dessas contagens nunca foram tornados públicos. RFI: Relativamente ao processo eleitoral que se avizinha, foi aprovado recentemente um novo pacote eleitoral que tem sido bastante criticado nomeadamente por centralizar a acção de contagem dos votos. Há quem diga que isto pode facilitar as irregularidades neste processo eleitoral. Como vê precisamente este aspecto? Osvaldo Mboco: Nós deixamos de ter o apuramento municipal e o apuramento provincial e passaremos a ter o apuramento nacional. Agora é fundamental que esses partidos políticos estejam preparados para enfrentar esses novos desafios porque a suspeição da fraude eleitoral vem dominando os nossos processos eleitorais mas, geralmente, os partidos políticos têm dificuldade em apresentar as provas desta fraude eleitoral, a não ser que -sendo um pouco mais radical- os observadores internacionais também sejam fraudulentos, porque muitas vezes -e houve isso nas eleições de 1992- a comunidade internacional declarou que "o processo eleitoral foi transparente, foi livre e foi justo". Então, no meu entender, é fundamental que os partidos políticos estejam preparados para essa competição política.