Jogos Olímpicos de Pequim são “prova geopolítica”

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Os Jogos Olímpicos de Inverno começam esta sexta-feira, em Pequim. O Presidente russo foi à cerimónia de abertura para anunciar, com o homologo chinês, “uma visão comum em matéria de segurança internacional”, depois de Pequim ter dado o seu apoio à Rússia na crise ucraniana. Os Estados Unidos e vários países ocidentais optaram por um boicote diplomático. Prova mundial desportiva ou geopolítica? Teresa Nogueira, da Amnistia Internacional, fala em “prova geopolítica”. Oiça aqui a entrevista. RFI: Como vê esta edição dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim? Teresa Nogueira, Coordenadora do grupo China na Amnistia Internacional em Portugal: Isto é uma tentativa de branqueamento da violação dos direitos humanos na China. A China está a tentar usar os Jogos Olímpicos para mostrar a sua capacidade de realização e o poderio que tem, pondo os direitos humanos completamente de parte porque as violações continuam a ser enormes, cada vez maiores. A China é acusada de levar a cabo uma repressão sem precedentes contra a minoria uigur na região de Xinjiang. Houve parlamentos a votar resoluções e moções a falarem de genocídio. Apesar disso, abrem-se estes Jogos Olímpicos em grande pompa e a China acusa Washington de querer politizar um evento desportivo. Mas como se pode politizar um evento desportivo quando a China mostrou ao mundo como reduzir ao silêncio uma das suas atletas mais populares, a tenista Peng Shuai? Evidentemente que a China usa os seus argumentos falaciosos para tentar desviar a atenção da situação dos direitos humanos, mas não é só no Xinjiang, não é só em relação aos uiguires. Há muito tempo que a China tem vindo a fazer também uma repressão total no Tibete, uma anulação dos direitos do povo tibetano. Actualmente é no Xinjiang, evidentemente com meios mais sonantes que são de tal maneira grandes que o mundo foi acordado para isso e não passa despercebido. Há ainda a questão de Hong Kong e Taiwan... Exactamente. A China tenta de qualquer maneira impor a sua força, o seu querer e, principalmente desde que Xi Jinping tomou o poder, a China tem estado a afirmar-se pelas piores razoes. Eles querem afirmar-se como uma potência moderna mas estão a afirmar-se é como uma grande potência da repressão e da perseguição. Xi Jinping e Vladimir Putin aproveitam a cerimónia de abertura para se reunirem e fazerem uma “declaração comum sobre a entrada das relações internacionais numa nova era”, sublinhando “a visão comum em matéria de segurança internacional”. Isto acontece depois de o Kremlin ter granjeado o apoio chinês na crise ucraniana. O que representa este gesto e esta aliança? Para já, representa um grande perigo para a paz mundial. Em segundo lugar, trata-se de dois ditadores cujo bem-estar do povo pouco lhes interessa, o que lhes interessa efetivamente é o seu poder. O Putin não está a ter uma grande popularidade interna e daí talvez a tentativa de afirmação externamente, uma afirmação pelos piores meios. O Xi Jinping há muito que tem tentado aumentar o império chinês – sim, porque aquilo na realidade é um império, trata-se de colonialismo: colonialismo em relação ao Xinjiang, colonialismo em relação ao Tibete e ameaças em relação a Taiwan e a Hong Kong. O Xi Jinping tem, por todos os meios, feito tudo para que todos os povos se lhe submetam. As tensões entre os ocidentais e a Rússia, tendo como pano de fundo uma hipotética invasão russa da Ucrânia, impuseram-se no calendário. Esta edição dos Jogos Olímpicos é uma prova mundial desportiva ou geopolítica? Na realidade, está a ser uma prova geopolítica com quase, eu diria, conivência do Comité Olímpico Internacional - que não é nova - ao calar-se perante todas as violações que se verificam, nomeadamente contra a tenista Peng Shuai. O Comité Olímpico quando se cala, quando deixa passar, está, na prática, a ser conivente com a repressão e com um estado de coisas que não é nada o de paz e de concórdia que deveria existir nos Jogos Olímpicos. O que é que o Comité Olímpico Internacional deveria fazer? Declarar que a China tem o dever de acabar com a repressão da liberdade de expressão e respeitar o direito de existência dos povos. O Comité Olímpico deveria, pelo menos, fazer uma declaração no sentido de pedir à China que respeitasse os direitos humanos no seu território como condição de paz e de concórdia que deve rodear os Jogos Olímpicos. Vários países ocidentais, a começar pelos Estados Unidos, não enviaram representação oficial a Pequim para a abertura dos jogos. Este boicote diplomático tem algum peso ou até joga a favor da imagem de antagonismo que a China e a Rússia querem dar de declínio do Ocidente e despertar do Oriente? Não, não joga a favor. É uma chamada de atenção. Claro que é uma chamada de atenção fraca que, em termos práticos, não faz a China e a Rússia arrepiar caminho mas, pelo menos, convém que o mundo não esteja a dormir em relação a estas coisas porque o primeiro passo para contrariar ditadores é realmente expor ao mundo aquilo que eles estão a fazer. A China e a Rússia aproveitarão isso conforme entenderem, mas as pessoas ficarem caladas isso é bem pior. Esta é uma edição sem público para manter a política "zero-covid", uma autêntica bolha sanitária onde os atletas e as delegações são separadas do resto da cidade. A China isolou-se do mundo nos últimos dois anos para limpar a imagem de que a pandemia começou no seu território. Se os jogos correrem bem, Pequim pode cantar vitória? Pequim cantará sempre vitória, como aliás canta sempre, mas isso não acrescenta nada. O que é essencial é que o mundo não se cale e que exija – em uníssono não é possível, mas com o maior número de países que for possível – que os direitos humanos sejam respeitados.