José Maria Neves: estatuto de Israel não deve ser factor de divisão

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Segundo e último dia da 35a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da União Africana, a decorrer em Addis Abeba, Etiópia. José Maria Neves, presidente de Cabo Verde defende que o estatuto de observador de Israel não deve ser factor de divisão dentro da União Africana. O estatuto de Israel como estado observador na União Africana dominou as discussões, mas acabou por ser retirado da agenda. Foi para o efeito, agora, criada uma comissão para analisar o pedido de Telavive. José Maria Neves, presidente de Cabo Verde defende que a questão do estatuto de observador de Israel não deve ser factor de divisão dentro da União Africana. A participar pela primeira vez enquanto chefe de Estado, José Maria Neves defendeu perante os pares o perdão ou a reconversão da dívida para recuperar África e sublinhou ainda a necessidade de reforçar a capacidade africana de prevenção e gestão de conflitos. Ao microfone à RFI, o presidente de Cabo Verde começou por dar conta das grandes resoluções saídas desta cimeira: "Há uma perspectiva muito clara de modernização do continente africano para que se consiga, no quadro pós-covid, acelerar o ritmo de crescimento do continente e realizar a agenda 2063.  Há questões importantes que foram abordadas, desde logo, a resolução de conflitos e a resolução do problema da Líbia e o maior acompanhamento por parte da União Africana. A questão do controlo da pandemia e todo o esforço que África tem de fazer para desenvolver o seu sistema sanitário, para ter novas vacinas e para poder fazer face aos efeitos sanitários desta e de outras epidemias que virão. Há todo o esforço que se tem feito para o desenvolvimento das instituições financeiras, em busca de novos mecanismos de financiamento para a modernização do continente, designadamente o financiamento das  infra-estruturas e de todo o desenvolvimento social do continente.  Também há o trabalho desenvolvido por vários grupos em relação à igualdade e equidade de género, mudanças climáticas e à Zona de Livre Comércio do continente africano. Quarenta e um países já depositaram a ratificação do acordo de livre comércio e já há um trabalho feito no sentido da implementação da Zona de Livre Comércio no continente.  As expectativas são boas, há sinais encorajadores da retoma do continente no pós-covid”. Participou, pela primeira, vez nesta cimeira na qualidade de Presidente da República, o que é que leva daqui especificamente para Cabo Verde?  Em especial para os pequenos estados insulares, no caso concreto de Cabo Verde, todo o esforço que se está a fazer para o desenvolvimento de energias renováveis. Cabo Verde tem enormes potencialidades neste domínio, mas também o esforço que se está a fazer para o financiamento do desenvolvimento de várias iniciativas para jovens e mulheres empreendedoras. São questões muito interessantes para um pequeno estado insular em desenvolvimento como Cabo Verde. Para além das perspectivas de desenvolvimento sanitário, em relação às quais damos uma grande importância.  Este ano, assinalam-se os 20 anos da criação da União Africana. A instituição tem por base a estabilidade, segurança e paz do continente. 2021 fica marcado por golpes de estado, 2022 começa também com golpes de estado. Uns efectivados outros falhados como foi o caso da Guiné-Bissau. No sábado, no seu discurso falou desta questão. Não deverá a União Africana ter uma posição mais firme para que os golpes de estados não sejam recorrentes? As posições têm sido firmes no sentido de condenação, suspensão dos membros e estabelecimento de sanções, mas temos de avaliar de forma mais aprofundada esses golpes e tentativas de golpes de estado. Não só no sentido de reforçarmos os mecanismos de democracia e governação, mas também de ver aspectos que se relacionam com  políticas públicas consistentes para responder aos desafios de desenvolvimento, designadamente do combate à pobreza, emprego para as camadas juvenis, desenvolvimento da educação e da saúde.  Ou seja, o progresso social do continente africano, o combate às desigualdades e outras formas de exclusão.  Temos de pensar de forma global num conjunto de aspectos que se relacionam com o desenvolvimento do continente e, também, reforçar os mecanismos de prevenção e gestão dos conflitos. No seu discurso de apresentação defendeu o perdão ou a reconversão da dívida para que "África consiga responder à crise económica, pandémica e climática”. Explique melhor esta defesa. A África com esta pandemia sofreu uma enorme devastação para fazer face a todo o processo de reconstrução do continente no pós-pandemia precisa de recursos. Neste momento, não há condições para que esses recursos sejam mobilizados através da expansão da base fiscal. São precisos mecanismos inovadores de financiamento como o investimento privado, o investimento directo estrangeiro e outras formas de financiamento designadamente o alívio ou o perdão ou a reconversão da dívida em investimentos em áreas educativas e da saúde. É, nesse âmbito, que apelamos a este apoio a África no seu rearranque no pós-pandemia.  O estatuto de Israel como estado observador da União Africana dominou a agenda da cimeira. Em que é que ficou esta questão e qual é a posição de Cabo Verde? É preciso discutir e chegar a um entendimento. A atribuição do estatuto de Israel como observador no quadro da União Africana não deve ser factor de divisão. Neste momento, a melhor solução é a que foi encontrada no sentido de se criar um comité, envolvendo vários estados, para analisar a situação e fazer uma proposta. Temos de estar abertos a novas possibilidades, a que África seja um espaço de encontro e diálogo entre diferentes correntes de opinião e diferentes países do mundo. Acho que esse diálogo vai ser feito no quadro da comissão e vai encontrar-se um entendimento relativamente ao estatuto de Israel. Qual é a posição de Cabo Verde? Deve haver um diálogo, um entendimento, não deve haver exclusão. Deve haver a possibilidade de todos participarem. Havendo interesse de Israel ou de outros países, a África deve estar aberta a essa possibilidade. Sabendo que há posições divergentes a nível do continente africano é preciso fazer o diálogo, mas não devemos fechar as portas a ninguém.