Legislativas: "Resultado do PS é surpreendente"

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O Partido Socialista obteve maioria absoluta nas legislativas antecipadas deste domingo, a segunda desde 2005, elegendo 117 deputados. O primeiro-ministro, António Costa, afirmou que esta maioria “nasce da vontade dos portugueses”, salientando que esta maioria absoluta será uma maioria de diálogo. Eunice Lourenço, editora de política do jornal Expresso, considera que o resultado do PS é surpreendente. RFI: Que leitura se pode fazer deste resultado eleitoral? Eunice Lourenço: Este resultado eleitoral acaba por ser bastante surpreendente porque, na última semana, o PS deixou de pedir maioria absoluta e parece tê-la conseguido, precisamente quando deixou de a pedir. O que conseguiu foi uma grande mobilização do eleitorado à esquerda que votou no PS, voto útil no PS e isso vê-se nos pontos. Houve uma transferência de votos directa da CDU e do Bloco de Esquerda para o PS, pessoas que quiseram mesmo ir votar para impedir uma maioria de direita. Só assim se explica que as sondagens tenham, aparentemente, errado tanto. Estas sondagens, que chegaram a apontar para um empate técnico entre o PS e o PSD, podem ter influenciado os eleitores portugueses? Sim, terão de facto influenciado os eleitores que perceberam, sobretudo, com  o resultado das eleições autárquicas em Lisboa, que decorrem há meses, que podiam mudar os resultados previstos pelas sondagens. Se ficassem em casa corriam o risco de serem outros a ganhar. Isso acabou por ser uma lição sobre os efeitos das sondagens, uma lição para o PS e para os eleitores de esquerda. António Costa disse que esta será uma maioria de diálogo. O primeiro-ministro quis enviar uma mensagem de consenso? António Costa tem o exemplo daquilo que fez na Câmara de Lisboa, com a maioria absoluta, onde incluiu outros na governação da câmara. António Costa disse querer conciliar os portugueses com a ideia de maioria absoluta. Eu acho que se ele conseguir isso é um grande feito. Agora, este PS, nomeadamente António Costa, não terá vontade de dialogar com o Bloco de Esquerda, partido com o qual as relações ficaram muito danificadas nos últimos anos. O PS não vai precisar de dialogar com ninguém para aprovar o OGE, mas acho que António Costa se não dialogar, vai mostrar que dialoga. Dar essa imagem de alguém que, ainda que tenha maioria absoluta, não exerce o poder sem ouvir os outros. O país precisava dessa maioria absoluta, dessa estabilidade? O país precisava de estabilidade e percebeu que a estabilidade ao centro, entre PS e PSD, não era garantida, apesar do líder do PSD ter dito várias vezes, que se ficasse em segundo lugar, daria ao PS as condições para governar por pelo menos dois anos. O discurso do PS de que o PSD se poderia coligar com os partidos à sua direita, sobretudo com o Chega, terá tido algum efeito. Aquele que era o maior desejo do Presidente da República, que era essa governação ao centro, acabou por não se cumprir. Embora tenha acabado a “Geringonça”, a estabilidade vem de uma maioria absoluta do PS e não de um acordo de cavalheiros entre PS e PSD, um cenário que agradaria mais ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Rui Rio disse que não conseguia argumentar a utilidade no partido. Considera que Rui Rio já não tem condições para estar na liderança do PSD? Rui Rio não tem condições para continuar, por muito que ele tente encontrar vitoriazinhas nesta derrota. O PSD não perdeu muitos deputados, mas o que é facto é que Rui Rio teve o pior resultado do PSD dos últimos tempos. Ele contava, caso perdesse, perder por pouco, o que lhe permitiria manter-se na liderança do partido, eventualmente forçar eleições daqui a dois anos e ter possibilidades de ganhar. Mas este resultado é o fim da liderança de Rui Rio no PSD, ainda que ele não o queira admitir e que lhe custe muito assumir a palavra demissão. Ele quase pôs o lugar à disposição do partido, uma coisa um pouco estranha, mas não tem condições para continuar. O Chega de André Ventura tornou-se na terceira força política no país. Portugal era, até agora, um país que escapava à força da extrema direita. Isso acabou. Porquê? Temos memória curta? Que risco representa o Chega para a democracia portuguesa? Infelizmente tem vários riscos, mas é sempre razoável lembrar que André Ventura era um militante e até dirigente do PSD. É um político que diz o que acha que é preciso dizer para captar votos. Conseguiu mostrar uma força e uma implantação a nível nacional, que mostram bem como há adesão às ideias do Chega e também como os eleitores de direita não encontraram nos partidos tradicionais de direita, PSD e CDS-PP, resposta para os seus anseios. Duas situações de campanha que me deixaram esperançosa da relação do eleitorado com o Chega foi o facto de, em dois momentos, duas mulheres, uma cigana e outra católica, usando essas duas condições, fazerem questão de se encontrar com André Ventura em campanha, confrontando-o com as suas contradições e incoerências do seu discurso. Isso mostra como o eleitorado está atento e percebe os perigos do Chega. Contudo, o facto de ter chegado a terceira força política e, mais do que isso, ir ser um líder muito presente no Parlamento, ao contrário do que vai acontecer com aquele que venha ser o futuro líder do PSD, vai dar ainda mais gás a André Ventura para se tentar afirmar com verdadeiro líder de oposição em Portugal. A Iniciativa Liberal é outra das surpresas destas legislativas. João Cotrim Figueiredo disse que será uma oposição implacável ao partido socialista. Qual é a margem de manobra deste partido? Não tem margem de manobra para tentar impor as suas ideias e as suas propostas e eu acho que a Iniciativa Liberal foi, provavelmente, o partido que ao longo da campanha mais se bateu pelo debate de ideias. O Cotrim Figueiredo vai tentar fazer, que é o mesmo que André Ventura vai tentar fazer, é afirmar-se como líder da oposição. Isso ser-lhes-á facilitado pelo facto do PSD estar  enfraquecido. Que leitura se pode fazer dos resultados obtidos pela CDU e pelo Bloco de Esquerda, as lideranças desses partidos estão ameaçadas? Penso que sim, embora sejam partidos que têm uma lógica interna muito própria e não gostem de tomar decisões em cima dos acontecimentos. Os resultados eleitorais de ambos têm explicações diferentes e há um dado curioso nestes resultados. O Bloco de Esquerda é o quinto partido em votos, mas é o sexto partido em mandatos. Ou seja, a CDU conseguiu maior concentração de votos que lhe permite ter mais eleitos do que o Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda foi claramente penalizado pelo chumbo do Orçamento. O Bloco de Esquerda não percebeu aquilo que os eleitores queriam quando lhe deram 19 deputados, em 2005. O que queriam era que o Bloco fosse uma força de diálogo e de contrapeso ao PS, mas de diálogo. Que tentasse forçar soluções, mas sem nunca romper. O Bloco escolheu romper e foi penalizado. O PCP também escolheu romper e também foi muito penalizado, perdendo dois deputados importantes: António Filipe e João Oliveira. Todavia, o PCP já estaria numa lógica interna de sucessão, acelerada com a operação de Jerónimo de Sousa e irá ter novos episódios, não sei se a partir do novo comité central do partido. O CDS- PP, um partido fundador da democracia, desaparece do mapa político. Pode falar-se na morte da direita conservadora? Não diria que está morta. Como Francisco Rodrigues dos Santos tentou dizer, o CDS-PP está na solução política da Madeira, na solução do Governo dos Açores e faz parte da solução de maioria, ainda que relativa, da Câmara de Lisboa. Agora, não está no Parlamento e isso é uma derrota enorme e um choque para o CDS. Prova também que a estratégia de Francisco Rodrigues dos Santos de afrontamento aos seus adversários internos e de escolher não realizar um congresso que o legitimasse nestas eleições, prejudicou-o ainda mais do que aquilo que podia ser a descida natural deste partido que tem tido dificuldades em mostrar, como diria Rui Rio, a sua utilidade à democracia portuguesa. Desde que saiu da maioria PSD-CDS, o CDS é um partido que tem andado à procura do seu registo e do seu espaço. Agora perdeu esse espaço, vai ter também um processo de sucessão interna que não me parece que venha a ser muito bonita. Há muitas contas para ajustar no CDS. Há quem defenda que o CDS deve ponderar se deve continuar como partido ou não. Mas deve fazer uma reflexão interna, profunda sobre qual o caminho a seguir. Nestas eleições legislativas a abstenção ficou a rondar os 42%, ainda houve muitos portugueses que não quiseram votar... Mas também houve muitos que quiseram votar e umas das boas notícias da noite foi a diminuição da abstenção, quando todos pensávamos que com o número de infectados, confinados, iriam votar menos de cinco milhões de portugueses. Não foi isso que aconteceu, votaram mais pessoas do que as que tinham votado em 2019. Há um outro dado muito interessante sobre a abstenção que foi menor nos concelhos com mais Covid, o que indica que as pessoas se mobilizaram para ir votar, percebendo que eram eleições muito importantes e que não podiam ficar em casa. Contudo, uma parte desses 40% de abstenção são cadernos eleitorais por limpar e essa deveria ser uma das prioridades da organização política do próximo Governo, actualizar cadernos eleitorais e reflectir sobre como deve decorrer todo o processo eleitoral. Passamos a ter, presumo que não deixaremos de ter, esta realidade do voto antecipado com muita dimensão. No fundo passamos a ter dois dias de votação, um dos quais a meio da campanha eleitoral, e acho que isto merece uma reflexão que leve a alterações do processo eleitoral.