#106 Série Corpo, episódio 7 – Doença comprida

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Depois do derrame, a vida segue. Neste episódio, conversamos com Gilmar, que sofreu um AVC aos 41 anos, e tentamos entender um pouco de sua realidade a partir das reflexões de pesquisa da antropóloga Monique Batista, da fisioterapeuta Juliana Valente e do profissional de Educação Física Hélio Yoshida. A série Corpo faz parte do projeto “Histórias para pensar o corpo na ciência”, que é financiado pela FAPESP (2019/18823-0) e coordenado pelo professor Bruno Rodrigues (FEF/Unicamp).    Parte 1   SAMUEL RIBEIRO Eu tinha uns 12 anos e lembro que eu tava sentado em um toco de madeira, na beira de uma lagoa...    SAMUEL Do meu lado tava meu avô materno, o Mário. Eu já falei dele aqui no podcast. Um homem enorme, de mãos grandes, com um bigodão branco e penteado que lembrava um pouco aqueles bandidos de faroeste. A gente tava pescando com varinha de bambu, e eu lembro...   SAMUEL Eu lembro de uma cena em que ele tentava colocar uma minhoca no anzol e não conseguia acertar de jeito nenhum. Alguma coisa caía da mão dele: ou o anzol, ou a minhoca, ou a vara inteira. Tentou, tentou, tentou, e aí cansou e jogou tudo no chão, com raiva, xingando furioso numa mistura de português com italiano que eu não consegui entender bem.   SAMUEL Essa lembrança me marca muito, porque meu avô era esse homem forte, aventureiro, que tinha percorrido o Brasil inteiro de caminhão e pescado peixes enormes, mas que no final da vida tinha ido morar com a gente por causa dos derrames.    SAMUEL Acidente vascular cerebral. AVC... Quando eu penso nisso, a primeira coisa que me vem na cabeça é o Mário e como a vida dele ficou diferente. É disso que a gente vai falar hoje.   SAMUEL Eu sou Samuel Ribeiro, e este é o Corpo, podcast que fala de pessoas e de movimento. E a gente começa...   GILMAR MARQUES ... foi em 2016, em junho, dia 22 de junho, 2016.   SAMUEL ... a gente começa com o Gilmar.   GILMAR Não senti nada assim. Um dia antes eu tinha trabalhado normal, que eu trabalhava com pavimentação asfáltica, sabe? Serviço bem quente mesmo.   GILMAR Aí levantei normal, sabe, coloquei a roupa de serviço, andei um metro assim, deu aquela bambeada na perna. Aí falei, "acho que é cãibra né", já tinha cãibra antes. Aí levantei, andei mais uns 300 metros, aí deu outra bambeada na perna. Aí falei "tem alguma coisa errada né". Aí eu voltei pra casa. Quando eu abri a porta de casa, aí não consegui mais ficar de pé, entendeu...   SAMUEL O Gilmar tinha 41 anos na época, e tava passando ali por um derrame, do tipo hemorrágico, que é quando um vaso sanguíneo se rompe no cérebro.   GILMAR Aí comecei meio, tipo, delirar assim, aí já fui pro UPA, do UPA fui pra Santa Casa, e... e lá não alembro muita coisa, não alembro de quase nada, até hoje não consigo alembrar.    SAMUEL Ele ficou vários dias hospitalizado, depois meses na cadeira de rodas, e por causa daquele dia tá até hoje com algumas sequelas que mudaram completamente a vida dele.   GILMAR E nunca pensava que isso ia acontecer comigo, apesar do médico já ter avisado, que algo ia acontecer. Mas quando você tá no foco da bagunça, aí você nem imagina né. Vê acontecer com o vizinho, mas acha que não vai acontecer com a gente.   Parte 2   SAMUEL O AVC é uma das principais causas de morte no mundo e só no Brasil a gente tem centenas de milhares de casos todos os anos. É um problema que acomete principalmente os idosos, mas também chega em pessoas mais jovens, como foi o caso do Gilmar.   SAMUEL Cada caso é um caso, mas o sobrevivente do derrame geralmente fica com algum tipo de sequela e precisa se adaptar em uma nova realidade.    SAMUEL Pra entender melhor essas mudanças, eu fui conversar com a Monique Batista...   MONIQUE BATISTA ... o derrame ele é um acontecimento que transforma as relações familiares como um todo...   SAMUEL