#124 Leitura de fôlego ep. 4: Utopia – o sonho que antecede o pesadelo?

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A perfeição pode ser um problema. Utopia e distopia não são tão diferentes assim. Uma sociedade perfeita é um perfeito pesadelo. Essas afirmações (que podem parecer desconcertantes à primeira vista) são discutidas neste quarto - e último - episódio da série Leitura de Fôlego. Carlos Eduardo Ornelas Berriel tem se dedicado a estudar as utopias literárias há mais de 20 anos e, nesse episódio, ele conversa com a gente sobre esse assunto. Leitura de Fôlego é uma série sobre literatura para o Oxigênio. Quem está à frente desse projeto é a Laís Souza Toledo Pereira, com supervisão e edição de Simone Pallone e trabalhos técnicos de Gustavo Campos e de Octávio Augusto Fonseca. Quem ajuda na divulgação do podcast é a Helena Ansani Nogueira. _________________________________ Laís: Oi! Eu sou a Laís Toledo, e esse é o quarto e último episódio da “Leitura de fôlego”, uma série sobre Literatura no Oxigênio. Carlos Berriel: Uma sociedade perfeita são perfeitos pesadelos, porque ela elimina aquilo, a última coisa a ser eliminada do mundo, que é o indivíduo. Pode eliminar tudo, menos o indivíduo, porque, se você eliminar o indivíduo, aí já está tudo eliminado, não tem mais nada. Laís: Utopia. Essa palavra, inventada a partir do grego, quer dizer “não lugar”, “o que não está em lugar nenhum”. A gente fala de utopia normalmente pra se referir a um lugar ou a uma sociedade onde tudo é perfeito. Ou também para se referir a uma situação que tende a não se realizar, um sonho inalcançável. Então, por que será que uma sociedade perfeita seria um perfeito pesadelo? Por que ela eliminaria os indivíduos? Nesse episódio, a gente vai conversar sobre a utopia, que já nasce cheia de contradições e ambiguidades e que não é assim tão diferente da sua filha mais popular hoje em dia, a distopia. Quem conversa com a gente sobre esse assunto é o Carlos Eduardo Ornelas Berriel. Ele é professor e pesquisador do Instituto de Estudos da Linguagem, o IEL, da Unicamp. Faz mais de 20 anos que ele tem se dedicado ao tema das utopias literárias. Ele é fundador e editor da Revista Morus – Utopia e Renascimento e dirige o Centro de Estudos Utópicos da Unicamp, chamado U-TOPOS. O Berriel também é membro de várias sociedades científicas internacionais voltadas para o problema utópico e tem se dedicado à tradução, ao estudo e à publicação de utopias italianas.      Laís: A gente tem esse uso cotidiano da palavra utopia, de situação perfeita ou inalcançável, mas o Berriel me contou que, pra quem estuda esse tema, a utopia ainda está em definição. Berriel: A utopia é um campo de reflexão atual. Nunca se estudou tanto utopia como agora. Na verdade, a utopia começa a ser estudada só no século XX e é mais ou menos por etapas; assim, tem uma época em que se estuda e depois se larga. E, de uns trinta anos pra cá, é uma fase de grandes estudos sobre utopia. E muita produção, muito centro de pesquisa, publicações, traduções. Nunca se estudou tanto, o que é interessante. Laís: Apesar de os estudiosos desse campo estarem promovendo várias discussões para tentar definir a utopia, o Berriel, que é mais ligado à área da literatura, falou sobre a visão dele de utopia como um gênero literário, um tipo de texto.  Berriel: Eu vou dizer o que eu acho. Eu acho que utopia é um gênero literário, que tem determinadas características muito específicas. É um gênero literário que nasce com a sociedade moderna, a sociedade burguesa. E ela tem, enquanto, digamos assim, características de gênero, a utopia é muito próxima ou é mesmo uma sátira, é uma sátira política. Ao ser uma sátira, ela tem uma característica desse gênero, que é um gênero antigo, que se renova, que se refaz, como os gêneros literários vão se refazendo com o tempo, atendendo às demandas de cada época. A sátira tem por característica ser um gênero de períodos de grande fratura histórica, de grandes transformações sociais, como, por exemplo, a sátira; ela tem uma ligação direta com a crise da sociedade romana....